Flávio Venturini imagina cenários econômicos macroeconômicos com o quadro fiscal actual falha na regra fiscal vigente.
Quando era criança, brincava com minha saudosa tia Heidy sobre as formas das nuvens. Ela me perguntava, apontando para uma qualquer, com qual figura se parecia. Passados alguns instantes, voltava a me questionar, se referindo àquela mesma: ‘e agora, se parece com o quê?’ Passei a associar essa atividade à minha rotina diária, observando a mudança no dia a dia de nosso bairro, onde as pessoas costumam se reunir em bancos ao redor da praça.
Um dia, enquanto caminhava pela praça, percebi um gato sentado sobre um banco, observando as nuvens passarem pelo céu. Lembrei-me de um lembrete que meu avô me dava: ‘até os tigres mais ferozes precisam de um mandato para governar’. E pensei que talvez as pessoas que se sentam nos bancos também precisem de algum tempo para refletir sobre suas ações. Ou talvez seja apenas o meu pensamento, enquanto observo as nuvens passarem pela cidade, igual às palavras de O deputado Ulisses Guimarães, que costumava dizer que a política era como as nuvens: a cada minuto estava de um jeito. Afinal, até as nuvens mudam de aparência de um momento para o outro.
Nuvenças Econômicas: Mudanças Radicais no Quadro Macroeconômico
Em um cenário que se apresenta cada vez mais turbulento, as nuvens econômicas parecem ter mudado radicalmente de forma, desenhando um retrato desolador. O que inicialmente parecia um cenário otimista, com um PIB projetado para crescer, agora se apresenta como uma combinação de resultados contraditórios, com algumas variáveis piorando significativamente. O exemplo mais palpável disso é a natureza que as nuvens adquiriram, mudando de uma imagem innocentemente suave de um gatinho para a representação temível de um tigre selvagem.
Há um tempo atrás, eu me opus à alteração do Teto dos Gastos pelo novo Arcabouço Fiscal, pois acreditei que o governo do presidente Lula da Silva, eleito democraticamente, estava questionando a regra fiscal vigente de maneira arriscada. Mesmo assim, entendi a direção que o governo estava tomando naquela época. Lembro-me de que alguns alunos se perguntavam o porquê da minha discordância na discussão da proposta. Foi simples, não estava esperançoso que o PL93/2023 alcançasse o objetivo principal de uma boa regra fiscal, que era estabilizar a relação dívida/PIB. Esse governo iniciou com uma relação de dívida/PIB de pouco mais de 72% e, segundo projeções de bons economistas, deve encerrar seu mandato com 82%. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) vai nessa direção.
Se olharmos para o quadro fiscal no momento, veremos que a situação é crítica: estamos com um déficit de R$ 105 bilhões, de janeiro a setembro de 2024, quando, pela regra do arcabouço, só podemos chegar a R$ 28,8 bilhões no ano, levando em consideração as exceções de gastos criadas, como a ajuda ao Sul e os recursos para combater as queimadas no Pantanal e na Amazônia. A alternativa encontrada pelo governo para alterar essa situação grave foi propor um ajuste estrutural de gastos, através de uma Junta de Execução Orçamentária, que teria o objetivo de propor cortes estimados em torno de R$ 50 bilhões. Infelizmente, especula-se que o valor final da proposta deva ficar abaixo desse montante e não será suficiente para soerguer as expectativas dos mercados e o cumprimento da regra para a frente. Em relação a 2024, temos apenas três meses para conseguir um verdadeiro milagre.
O presidente, em entrevista, diz que o mercado ‘fala bobagens todos os dias’, que conhece sua ‘gana especulativa’ e que vai vencê-lo. Peço vênia ao presidente, mas penso que nossos alertas sejam pertinentes. Em recente artigo no Estadão, Henrique Meireles, seu ex-presidente do Banco Central, vai nessa direção, de pedir ajustes nos gastos. Ele também está falando bobagens? Foi seu banqueiro central por oito longos anos. Outra nuvem?
Entendo as preocupações do mandatário, mas desgosto dessa ideia de que somos adversários, tendo um que vencer o outro. Cortar BPC, seguro-desemprego, recursos do Fundeb, desatrelar os pagamentos do INSS do salário-mínimo são decisões complexas sob o aspecto político/popular. Todavia, caso não se efetive um corte estrutural robusto, quem perderá é o país, com a inflação mais elevada. Dessa feita, teremos problemas que não serão contornáveis, pois necessitaremos de novas altas de juros, afetando para
Fonte: @ Valor Invest Globo
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